A organização não-governamental (ONG) angolana Mosaiko denunciou hoje a existência de “fuga de capitais, conflitos e miséria extrema” nas comunidades circunvizinhas de zonas de exploração mineira e garantiu que o documento será remetido ao presidente de Angola. Falta saber se, com o trono do MPLA já construído à sua medida, João Lourenço prefere ser salvo pela crítica ou assassinado pelo elogio.
Na declaração final da 3.ª Conferência Nacional sobre Recursos Naturais em Angola, que decorreu de terça a quinta-feira, o Mosaiko – Instituto Angolano lamentou o “constante agravamento das condições sociais, com o desemprego à cabeça”.
Os participantes recomendaram também a criação de uma plataforma nacional quadripartida de concertação, que inclua as comunidades, organizações da sociedade civil, empresas do sector mineiro e as instituições políticas que tutelam este sector.
Nas regiões de exploração mineira do país, diz o documento, “há fortes impactos ambientais negativos” e as comunidades circunvizinhas “vivem em extrema miséria e sem acesso aos serviços básicos, como saúde, educação, saneamento básico, emprego, água potável e energia”.
A conferência, que juntou na capital angolana oradores nacionais e estrangeiros, decorreu sob o lema “Recursos Naturais: Um Bênção para Todos”, tendo os vários participantes, entre eles alguns ligados à Igreja, defendido uma “maior racionalidade” na exploração dos recursos naturais em Angola.
A organização conclui que, no território angolano, “continua a assistir-se a conflitos nas zonas de indústrias extractivas entre empresas e comunidades, e entre comunidades e instituições do Estado”.
“Há uma falta de retorno em relação ao que é extraído em benefício directo para as comunidades locais. As empresas extractivas em áreas mineiras têm sido um motor de conflito entre as comunidades, de instrumentalização de alguns sobas e de violação dos direitos humanos”, aponta.
“Não há ética empresarial, nem transparência na gestão, nem ainda a aplicação dos recursos tributados a favor das comunidades, como um valor. A população pode contribuir para o combate à corrupção, ao branqueamento e à fuga de capitais, que não se deve resumir apenas à aprovação de leis”, sublinha-se no texto.
“Resolve-se com a tomada de medidas concretas, proactivas em termos políticos e administrativos, num efectivo processo de educação cívica para promover a cultura de renúncia a este fenómeno”, lê-se na declaração final.
Sobre a criação da plataforma quadripartida, o objectivo visa “acabar com a falta de transparência” das empresas públicas no sector da indústria mineira, nomeadamente a petrolífera estatal Sonangol e a e a diamantífera pública Sodiam – Empresa Angolana de Prospecção e Comercialização de Diamantes, “que não têm uma cultura de prestação de contas”.
Para aquela ONG, o executivo angolano “deve mostrar-se aberto” às empresas que queiram investir no sector mineiro, “privilegiando” aquelas que, nos seus projectos, mais beneficiem as comunidades locais.
“A organização deve encaminhar essa declaração final ao Presidente da República”, recomenda-se na declaração final do encontro.
Bem prega a Mosaiko
Um estudo sobre o registo civil nos municípios angolanos de Cambulo, Cuango e Chitato, concluiu que os cidadãos são obrigados a pagar até 35 euros para terem acesso ao registo ou Bilhete de Identidade, que devia ser gratuito.
Em causa estão os resultados do “Estudo de Caso sobre o Registo Civil” em três municípios da província da Lunda Norte, no leste de Angola, a mais de 1.200 quilómetros de Luanda, realizado em Outubro de 2017 pela Mosaiko.
De acordo com a pesquisa, as referidas cobranças, entre 5.000 e 10.000 kwanzas (até 35 euros) faz com que um elevado número de crianças e adultos fique sem qualquer documento que certifica a sua cidadania, uma vez que grande parte da população daqueles municípios, de produção diamantífera, vive em situação de pobreza.
“Este facto faz com que muitas pessoas, sobretudo das zonas rurais, não tratem do registo de nascimento ou do bilhete de identidade”, aponta o estudo, apresentado em Luanda.
A pesquisa, que contou com a participação de 52 grupos focais espalhados pelos três municípios, assinala igualmente a morosidade do processo como uma das limitações para o acesso ao registo de nascimento.
Um dos inquiridos no Cuango, sublinha o estudo, referiu mesmo que conseguiu receber o seu bilhete de identidade “um ano depois da abertura do processo” e “graças à pressão que fez ao órgão responsável pelos registos do município”.
A insuficiência de materiais para a celeridade no tratamento de registos de nascimento é igualmente apontada pelo estudo como um dos factores que tem influência directa na inacessibilidade a estes serviços, situação “confirmada pelas autoridades locais”.
Acrescenta a pesquisa que “um sistema de corrupção que parece instalado” nos municípios “também concorre para que centenas de crianças e adultos fiquem sem o registo de nascimento, assento ou ainda o bilhete de identidade”.
“Sem dinheiro, há muitas voltas, você vai lá e dizem que quem vai carimbar o processo não está. Mas se tiver dinheiro é atendido no momento por um dos responsáveis dos registos”, explica o estudo, aludindo a outra entrevista aos jovens das localidades.
Nos municípios onde o estudo centrou a abordagem, refere ainda, “é crescente o número de progenitores sem qualquer documento de identidade”, situação que segundo os grupos focais “leva a que os mesmos não consigam registar os seus filhos”.
O estudo concluiu igualmente que a fraca fiscalização nos serviços de registo de nascimento e de emissão do bilhete de identidade tem contribuído para a prática da corrupção.
Em declarações os jornalistas, o director geral do Mosaiko, Júlio Candeeiro, referiu que o estudo abarca o sentimento e a realidade das pessoas entrevistadas, pelo que “a falta do registo de nascimento continua a ser um dos principais problemas dos cidadãos”.
“Por todos os municípios, comunas e localidades, quando perguntamos às pessoas sobre os principais problemas, o registo de nascimento é primordial e daí as dificuldades no exercício de outros direitos”, argumentou o responsável da Mosaiko, que opera no país há 20 anos, na promoção dos direitos humanos.
Acrescentou que o estudo revelou ainda “que a questão da regulamentação do poder tradicional é crucial”: “Porque em algumas zonas onde há ausência de instituições do Estado a influência do poder tradicional é muito forte e essa situação precisa de urgente intervenção”.
A Mosaiko produz uma reflexão contextualizada e rigorosa, alimentada pela pesquisa social e desenvolvida em acções de formação para capacitar os diferentes actores sociais na construção de uma cultura de Direitos Humanos em Angola e promove uma cidadania mais consciente e activa que contribua para uma cultura de responsabilidade através do exercício de direitos e deveres pelos diferentes actores sociais.
Sem fins lucrativos, visa contribuir para uma cultura de Direitos Humanos em Angola. Fundado em 1997, pelos Missionários Dominicanos (Ordem dos Pregadores – Igreja Católica), foi a primeira instituição angolana a assumir, explicitamente, como missão, a promoção dos Direitos Humanos em Angola.
Folha 8 com Lusa
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